Sentença
I - Relatório. Consta da petição inicial: a) nos dias 17 e 22 de novembro de 2010 foi realizada a eleição para a mesa diretora da Câmara Municipal de Sarandi; b) o impetrado não obedeceu aos ditames legais, realizando manobra abusiva com o objetivo de tumultuar a sessão e manipular o resultado da eleição em seu favor, com o que garantiu a reeleição; c) na sessão de 17.11.2010, restava apenas o impetrado Cilas Souza Morais declarar o seu voto e o resultado parcial, até aquele momento, era de 3 votos para Cilas, 4 votos para o impetrante e 2 votos para Aparecido Biancho; d) o máximo que o impetrado conseguiria seria o empate, caso em que venceria o impetrante por ser o candidato mais idoso; e) sem qualquer justificativa plausível, o impetrado declarou cancelada a votação e encerrou a sessão; f) não há previsão legal para o cancelamento de sessão e nem mesmo estavam presentes as situações que justificavam a suspensão prevista no art. 91 do Regimento Interno; g) no dia 22.11.2010, uma nova sessão especial foi realizada, anunciando o impetrado que seria para dar seguimento à votação para a mesa diretora e que iria continuar a sessão anterior de onde havia sido interrompida; h) após declarar o seu voto e sem explicar o procedimento que estava adotando, de forma obscura e quase inaudível, o impetrado disse que haveria uma segunda votação para a mesa diretora; i) com a sua omissão em explicar se esta segunda votação seria para apenas para o desempate e com a sua declaração anterior de que a sessão do dia 17 tinha sido cancelada, o impetrado acabou induzindo os vereadores em erro, vencendo a eleição com apenas 2 votos e beneficiando-se com a própria torpeza; j) os votos dos outros 8 vereadores foram considerados nulos, porque o impetrado concluiu que se tratava de eleição para o segundo turno, na qual concorreriam apenas os 2 vereadores mais votados, enquanto estes 8 vereadores votaram em candidatos diversos; h) a anulação de 80% dos votos acarreta a nulidade de toda eleição; i) o Regimento Interno estabelece que a mesa diretora deve ser eleita por maioria de votos.Pede a decretação de nulidade das sessões em questão, para que todo o processo eleitoral da mesa diretora seja renovado ou, alternativamente, que seja renovado ao menos o segundo escrutínio. Em caráter liminar, pugna pela suspensão da posse do impetrado para o segundo mandato, devendo a presidência da mesa diretora ser exercida provisoriamente na forma do art. 21, § 1º, do Regimento Interno. Determinada a juntada de cópia das gravações oficiais de áudio, referentes às sessões em que ocorreram as votações, oportunizando-se o contraditório na sequência.A autoridade impetrada prestou informações, sustentando: a) nenhuma ilegalidade houve na eleição da mesa diretora; b) o impetrado fez uso equivocado da palavra "cancelada" na sessão do dia 17.11.2010, mas a sua intenção era apenas de suspendê-la, em razão de que após o voto do vereador Reginaldo começaram as demonstrações de ânimos exaltados no recinto, verificando-se a impossibilidade de continuação da sessão; c) todos os vereadores tinham plena ciência de que a sessão do dia 22.11.2010 era para continuação dos procedimentos eleitorais, aproveitando-se os votos que haviam sido proferidos na sessão do dia 17.11.2010; d) por duas vezes o impetrado declarou, no inicio dos trabalhos do dia 22.11.2010, que se tratava de continuação da sessão anterior e de votação para desempate; e) o que se verifica, então, é um mero inconformismo da impetrante com o resultado que lhe foi desfavorável; f) o impetrado permaneceu em silêncio enquanto os votos foram anunciados no dia 22.11.2010, porque o voto nulo é uma opção de manifestação política; g) nulidade de votação não pode ser confundida com voto nulo; h) a maioria simples é atingida com a computação dos votos válidos; i) deve ser respeitado o princípio da separação dos poderes. Requer a improcedência do pedido.O Ministério Público exarou substancioso parecer pela concessão da segurança.É o relatório.II - Fundamentos da decisãoO litígio versa sobre a validade da recente eleição para a mesa diretora da Câmara Municipal de Sarandi, ocorrida nos dias 17 e 22 de novembro de 2010.Pela análise do conjunto probatório carreado aos autos - especialmente as mídias digitais (CD) que se encontram acostadas às fls. 242/243 e que se referem às sessões ocorridas na Câmara Municipal nas datas acima mencionadas -, conclui-se que a pretensão merece guarida.Destarte, o ora impetrado venceu as eleições no segundo turno por dois votos a zero, de um total de dez vereadores votantes.E tal situação teratológica, por assim dizer, somente foi possível devido a manobras escusas utilizadas pelo impetrado, que na presidência das sessões de votação acabou por induzir 80% dos vereadores em erro. Se não, vejamos.Conforme se verifica nas gravações em áudio da sessão do dia 17.11.2010, após nove vereadores terem declarado verbalmente o seu voto, restando apenas o voto do impetrado, o mesmo de forma arbitrária declarou que a sessão estava "cancelada".Em primeiro lugar, não existe previsão no Regimento Interno da Casa para o cancelamento de sessão, que equivale à sua anulação, ou seja, a tornar sem efeito os atos até ali praticados.Pela mesma gravação em áudio também é possível perceber que tumulto algum havia até aquele momento, a justificar sequer a suspensão da sessão a que alude o art. 91, IV, do Regimento Interno (fls. 140). Aliás, as medidas citadas pelo art. 91 devem ser observadas de forma gradativa, pois a parte final do seu caput estabelece que o "(...) Presidente conhecerá do fato e tomará as providências seguintes, conforme a gravidade:". E incontroverso está que o impetrado não chegou a advertir algum vereador em plenário, a cassar-lhe a palavra ou mesmo a determinar a sua retirada do plenário, para que só então fosse justificável a suspensão.Tudo leva a crer, com isso, que a manobra do impetrado foi uma atitude de desespero quando percebeu que faltava apenas o seu voto para ser proferido e que, mesmo votando em si, acabaria havendo empate entre ele e o impetrante. O critério para o desempate seria o da idade, sendo considerado eleito o candidato mais idoso (ou seja, o impetrante), conforme art. 25 do Regimento Interno:"Em toda eleição de membros da Mesa, os candidatos a um mesmo cargo que obtiverem igual número de votos concorrerão a um segundo escrutínio, na mesma sessão e, se persistir o empate, será considerado eleito o mais idoso, sendo automaticamente empossado."Ao ser retomada a eleição no dia 22.11.2010, novamente o impetrado faltou com a devida transparência que dele se era exigida na presidência dos trabalhos, acabando por ferir os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade inscritos no art. 37, caput, da Constituição Federal.Isso porque se o impetrado - ainda que ao arrepio da lei - na sessão anterior havia declarado que a mesma estava "cancelada", sua obrigação na próxima sessão era reiniciar a votação do zero, possibilitando que todos os vereadores concorressem novamente. No entanto, de maneira escusa, o impetrado simplesmente disse que os trabalhos seriam retomados, sem explicar quais efeitos teriam a sua declaração de cancelamento da sessão anterior e se a votação antes realizada seria ou não considerada.De consequência, oito dos dez vereadores entenderam que a eleição havia sido reiniciada e que todos poderiam concorrer. Por isto, votaram em vereadores diversos daqueles que tinham sido os mais votados na sessão anterior, vale dizer, o impetrante e o impetrado.Mesmo os votos sendo declarados verbalmente, no microfone, por cada um dos vereadores, ao perceber o erro na manifestação de vontade desde o primeiro vereador a se pronunciar na sessão que seria a de desempate, o impetrado novamente permaneceu em silêncio, deixando que votassem errado, quando dele era exigível a intervenção e o esclarecimento de que apenas ele e o impetrante eram os candidatos que estavam no páreo.Como muito bem assentou o ilustre Promotor de Justiça (fls. 231/232):"(...) Não explicou o que significou, de fato, o cancelamento anterior, nem deixou claro que todos os atos praticados anteriormente eram perfeitamente válidos e seriam aproveitados. Embora se possa argumentar que a contagem de votos que se seguiu (referente à primeira votação) e o anúncio da retomada dos trabalhos para desempate tornavam desnecessárias tais explicações, entende este órgão que a sequência dos fatos não pode ser examinada de forma compartimentada. É o conjunto e a sequência completa dos atos que forma o uso de ardil por parte do impetrado para chegar ao resultado que lhe convinha no segundo ato de votação. Isto porque está claro e estampado no áudio dos CDs anexados aos autos que, quando os Vereadores iniciaram o segundo ato de votação, estavam todos (ou quase todos) cientes e seguros de que estavam, na verdade, refazendo a primeira votação, que havia, em sua maior parte, sido cancelada pelo Presidente da Casa. Isto transparece de forma bastante serena na audição dos compact disks anexados aos autos e, em uma situação de tal natureza, o mínimo que se espera daquele que preside o ato é a sua interferência não no sentido de influir na emissão do voto de cada um, obviamente, mas de esclarecer a todos o objetivo específico do ato, elucidando dúvidas sobre quais eram e quais não eram os efeitos do confuso cancelamento anterior por ele mesmo proferido." Portanto, forçoso é reconhecer que os oito vereadores cujos votos foram considerados nulos no segundo turno incorreram em erro substancial em sua manifestação de vontade - provocado pelo dolo na conduta do impetrado. Por fim, entendo que deve mesmo ser aplicada ao caso, analogicamente, a regra do art. 224 do Código Eleitoral, verbis: "Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias."E a tal conclusão chego porque toda eleição busca conferir legitimidade à pessoa que exercerá o cargo em disputa, que deve vencer com o voto da maioria dos eleitores (maioria esta absoluta em alguns casos e relativa em outros, mas sempre maioria).O próprio art. 21, § 3º, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Sarandi, prevê que a eleição dos membros da mesa deve ser feita por maioria simples, mas não foi isto que ocorreu, já que o impetrado foi eleito com apenas dois votos, ou 20% do total de vereadores votantes.Como o cancelamento de sessão manifesta pelo impetrado foi o seu primeiro ato ilegal, todos os atos subsequentes devem ser considerados nulos, retomando-se a votação a partir daquele momento, com a validade dos votos apresentados na sessão do dia 17.11.2010, faltando o próprio impetrado declarar o seu voto.E ocorrendo o mesmo empate que se havia verificado, entre o impetrante e o impetrado, deverá ser realizado o segundo escrutínio apenas entre estes dois vereadores.III - DispositivoAnte o exposto, com fulcro no art. 269, I, do CPC, concedo a segurança pleiteada para anular a eleição da mesa diretora da Câmara Municipal de Sarandi (biênio 2011/2012), a partir do momento em que foi declarada "cancelada" a sessão no dia 17.11.2010.Como eventual apelação que venha a ser interposta não tem efeito suspensivo nessa espécie de ação, desde logo determino que o impetrado convoque nova sessão especial para a continuação dos trabalhos eleitorais, que deverá ocorrer no prazo de 10 dias a contar da intimação, sob pena de incorrer em crime de desobediência. Condeno o impetrado ao pagamento das custas processuais.Incabíveis honorários advocatícios na espécie.Submeto a decisão ao reexame necessário.P.R.I.
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