Relações vulgares

amor
Pouco tem sobrado para se viver com a pessoa certa
Moro quase em frente a um dos bares mais badalados de Maringá. Não é, digamos, divertido. O pessoal estaciona por ali e, depois de beber um pouco, sai sempre “animado”, conversando alto. Claro, algumas brigas também acontecem. E isso geralmente após a meia noite. Dormir se torna tarefa difícil.
Misturado ao barulho que vem da avenida, vez ou outra escapam alguns diálogos. Dá para ouvi-los com nitidez. Na noite passada, por exemplo, escutava os argumentos de uma mulher. Era impossível não ouvir. E o conteúdo me chamou a atenção. Entre outras coisas, ela dizia:
- É só a segunda vez que isso acontece. Eu beijei o cara. Não significa que vou para cama com ele. Eu tenho namorado. A gente está bem.
Ela seguiu falando… Explicando…
Não sei quem era. Muito menos quem era seu interlocutor. Apenas ela falava alto. Também desconheço o contexto, o que aconteceu, suas motivações. Entretanto, foi impossível não pensar na dinâmica dos relacionamentos e na maneira como as pessoas se entregam umas as outras sem ao menos conhecê-las.
Beijar alguém num barzinho, trocar carícias com um desconhecido enquanto curte a balada tornou-se hábito comum. Incomum é achar isso tudo anormal. Quem questiona esse “jeito moderno” de viver é tido como antiquado. Dizem que cada um é dono de seu corpo, de sua boca e o que vale é divertir-se. Já não se reserva a intimidade para apenas uma pessoa, para se viver experiências plenas de um relacionamento comprometido, em que existam sentimentos reais – e não apenas desejo.
Vulgarizou-se o corpo; o amor tornou-se descartável, banal. Não é preciso muito para tocar alguém, sentir pele, gostos, cheiros… Bastam poucos momentos de empolgação e, às vezes, alguns copos de bebida. Já não se sabe quantas bocas foram beijadas nem quantas mãos tocaram um corpo. Pouca coisa tem sobrado para se viver com a pessoa amada.
Talvez eu seja mesmo um bocado careta. Entretanto, ainda penso que deveríamos nos valorizar um pouco mais. Não se trata de moralismo. Trata-se de respeito por si mesmo. Preservar-se também é investir num relacionamento real, profundo e com possibilidades de experiências únicas. Até pode demorar pra acontecer, mas acho que vale a pena. Esse jeito “livre” de viver é enganoso. Tornamo-nos reféns dos instintos. Liberdade é também ser livre (controlar) dos instintos, é saber dizer não inclusive para os próprios desejos a fim de se permitir, no momento certo, entregar-se ao amor. jornalista  Ricardo Nezo