TCU investiga se deputados usam empresas de fachada para locar carro
Alugar um automóvel em uma padaria ou em uma loja de materiais de
construção? Não parece a coisa mais comum do mundo, mas alguns
políticos brasileiros fazem isso com frequência. Uma denúncia popular
chegou ao Tribunal de Contas da União para que esse procedimento seja
investigado. E o
Fantástico foi investigar o assunto.
O que uma organização não-governamental, uma loja de produtos de
limpeza e uma padaria têm em comum? Será que elas podem oferecer um
mesmo serviço? Para um grupo de deputados federais, parece que sim.
O
Fantástico foi à
Teresina
(PI) e procurou por uma locadora de carros. Entre março e julho deste
ano, o deputado federal Assis Carvalho, do PT, gastou R$ 50 mil na
empresa Fontes Locadora de Veículos. O endereço comercial é em um
prédio, mas... “Minha mãe comprou este prédio há cinco anos e há cinco
anos a gente mora aqui. Aqui já funcionou uma loja de roupa, uma lan
house e, agora, uma padaria e um restaurante. Uma locadora, não”, diz a
dona de casa Ingrid Oliveira.
Deputado Federal Assis Carvalho
Fantástico: O senhor conhece uma empresa chamada R Fontes G de Almondes?
Deputado Assis Carvalho: R Fontes... Conheço o dono da empresa. Já esteve comigo e tenho um carro alugado por eles. Eu não fiscalizo locais de empresa.
O deputado do Piauí interrompeu a entrevista neste ponto e depois se
manifestou com uma nota. Ele confirma o endereço da empresa e apresenta
dois documentos de veículos alugados pela R Fontes ao gabinete. Os
carros estão em nome de uma pessoa física.
"Pessoa física não aluga carro. Quem aluga carro é pessoa jurídica.
Então, assim, de cara, uma pessoa física alugar um carro não é uma
locadora”, afirma Paulo Gaba Jr, da Associação Brasileira de Locadoras
de Automóveis.
Assis Carvalho e mais 20 parlamentares estão sendo investigados pelo
Tribunal de Contas da União, que quer saber como está sendo usada a cota
para o exercício da atividade parlamentar. A locação de automóveis está
na mira dos auditores.
Os repórteres Francisco Regueira e Alberto Fernandez viajaram por
alguns estados brasileiros para descobrir onde os deputados alugam seus
carros.
A empresa Locacom recebeu mais de R$ 40 mil da cota do deputado Jorge
de Oliveira Zoinho, do PR-RJ. No endereço fornecido, encontramos uma ONG
especializada na profissionalização de jovens.
Fantástico: A Locacom você conhece?
Rapaz: Não.
O rapaz que atendeu o Fantástico na sala onde era para estar a locadora
indicou a sede da ONG Centro de Cidadania Cidade Maravilhosa (CCCM)
para mais esclarecimentos. Fomos até lá, mas aí começou a confusão.
Carlos da Silva, representante da Locacom: Esse prédio pertence a Locacom.
Fantástico: Por que a CCCM funciona aqui?
Carlos da Silva: Sim, porque alugou o espaço.
Fantástico: A Locacom divide espaço com a CCCM?
Carlos da Silva: Não, simplesmente porque estamos em obras lá. E a gente tem atendido aqui.
Não entendeu? É confuso mesmo. Onde deveria existir a Locacom, está um
escritório da ONG CCCM e, na sede da ONG, toca o telefone da Locacom.
Fantástico: Queria saber se aqui funciona a Locacom ou uma ONG.
Funcionária: Aqui é uma ONG.
Fantástico: onde o senhor costuma alugar seus carros?
Deputado Zoinho:
Alugo dentro daquilo que o ato da mesa me permite. Certo? Dizer para
você que eu sou 100% honesto... 100% honesto só Jesus Cristo. Eu
procuro fazer as coisas sempre com transparência.
Eu sempre falo isso aqui: santo, aqui em Brasília não existe. Da
fronteira dos estados com Distrito Federalx, eles não passam para cá"
Deputado Jorge de Oliveira Zoinho
Zoinho se irrita com as perguntas. Ele não é o único. O deputado Paulo
Feijó, também do PR-RJ, que nada tinha a ver com a conversa, resolve
agredir os repórteres do
Fantástico.
Com os ânimos mais calmos e já no gabinete, o deputado Zoinho justifica
seus gastos. “O que é que acontece? Quando eu cheguei aqui, pensei que
essa verba indenizatória, eu poderia até comprar um carro para mim e
ficar quatro anos pagando. Depois, se eu perder o mandato, pelo menos
tinha um patrimônio de quatro anos. Mas você não pode comprar um
veículo. Pelo ato da mesa, você é obrigado a alugar um veículo”, afirma.
A mesa que o deputado acabou de citar é a mesa diretora da Câmara. É
ela quem define o valor e as regras para o uso da cota. A verba varia de
R$ 25 mil a R$ 37 mil, dependendo do estado. Além do aluguel de carro,
esse dinheiro só pode ser gasto com passagens, aluguel de salas,
serviços postais e telefonia, por exemplo. Não acaba aí. Cada
parlamentar recebe ainda R$ 78 mil para pagamento de funcionários. E
tem, claro, o salário: R$ 26,7 mil. A soma disso tudo chega a quase R$ 2
milhões ao ano para cada um dos 513 congressistas.
Faxinão, diz o letreiro. É lá que o deputado Lael Varella, do DEM-MG,
aluga carros. Entre maio de 2011 e maio deste ano, ele repassou R$ 150
mil para a Vila Rica Rent a Car. “Eu posso fazer escritório onde eu
quiser, naquela lojinha, naquele telhado. É só eu mudar. É uma empresa
formal, sempre locou e sempre loca”, diz o dono da locadora.
Deputado Lael Varella
Deputado Lael Varella: Ele pode ter o produto de faxina aqui, mas e ter o carro. Uma empresa não é impedida de ter dois negócios não, tá certo?
Fantástico: Não é estranho?
Deputado Lael Varella: Não é não. Não é não.
Fantástico: É comum?
Deputado Lael Varella: É
comum. Não tem nada estranho. Não tem nada ilegal. Tem nota fiscal, tem
contrato bem feito. Tudo pago com cheque nominal. Tudo bonitinho.
“Nós temos que fazer todas as auditorias, aprofundar essas questões
para que a gente possa saber se os recursos estão sendo bem aplicados
tanto no Congresso como em qualquer parte da administração pública
brasileira”, afirma o presidente do TCU, Augusto Nardes.
Você já viu nessa reportagem locadoras de carros em lugares inusitados. Só que em Macaé, no Rio, a situação é diferente.